Enquanto eu o ajudava a tomar um iogurte, colocando cada colherada na boca dele, com cuidado, acompanhando ele sorver cada bocado com dificuldade, eu pensava: esse homem frágil, de cabelos brancos, acamado há mais de um ano, praticamente cego, mas ainda lúcido, embora falando com esforço, é o mesmo que há quatro décadas eu olhava com medo. Ele parecia alto, forte, feroz, sempre comandando, empurrando as coisas, esmurrando a mesa, atirando a esmo… eu me escondia atrás da porta e ficava quieta, até a tempestade passar e reinar o silêncio… então eu o via acordar para um novo dia e tomar um gole de cachaça antes do café da manhã e cismava: quanto tempo até começar tudo de novo? Mas nessa época, eu também o amava e vivia ansiando pelo sorriso dele. Então eu fui entrando na adolescência e o medo foi virando raiva. Eu desafiava, questionava, encarava. Uma vez cheguei a empurrá-lo e ele desequilibrou e caiu no chão, atônito com a minha reação inesperada. Eu estava sempre dispos...