Liberdade para os tambores...

Hoje parecia uma tarde perdida no trabalho. Minha primeira pauta caiu. Era sobre um homem que estava denunciando a prisão injusta do irmão dele. Quando eu cheguei lá para apurar, a tal vítima estava cumprindo pena de sete anos pelo assassinato da esposa, conseguiu a liberdade condicional ano passado e simplesmente não compareceu ao fórum nenhuma vez para assinar o livro de controle da Justiça... tinha mais é que ser preso mesmo!

No lugar da pauta frustrada, a produção me mandou entrevistar o comandante do policiamento da capital sobre os assaltos e furtos nos bairros da cidade... um saco, né, porque esse tipo de matéria infelizmente já virou rotina. Quando cheguei ao CPC, encontrei o Betinho, advogado das minorias da OAB. É sempre bom sinal encontrar esse camarada, que conheço desde os tempos em que divulgava os ritmos da cultura afro.

Betinho estava esperando para ser recebido pelo Coronel Mário da Hora, comandante do policiamento da capital, acompanhado por um senhor e uma senhora de cabelos brancos e semblantes tranquilos e por um rapaz que usava lentes de contato azuis.

Fiquei curiosa e perguntei o assunto: garantir a realização de um culto para Ogum, amanhã, dia de São Jorge. E porque a necessidade de pedir ao CPC? Porque  policiais militares de Fernão Velho proibiram Diego e seus seguidores de tocar o tambor. O barulho incomodava aos vizinhos...

Intolerância religiosa sempre rende uma boa história e quando vi que o Diego era o rapaz de lentes de contato azuis, fiquei ainda mais curiosa. Quer dizer que ele já é um babalorixá? O mais novo de Alagoas, com apenas vinte anos, me responderam. Então decidi cobrir o fato e comuniquei à redação.

Alguns detalhes nesta matéria me deixaram muito satisfeita. Um deles foi a entrevista com o Coronel, que fez um discurso em defesa da liberdade de culto religioso e pelo respeito às religiões de matriz africana. Pode parecer a postura básica, mas quem já entrevistou comandantes de policiamento há dez anos, sabe que é uma importante mudança de mentalidade da hierarquia, o que força os comandados pelo menos a ouvir.

Também fiquei feliz com a coragem do jovem babalorixá, que estava nervoso sim, mas defendeu muito bem a sua missão e demonstrou muita seriedade. Sinal de que os rituais se renovam. E por fim, é bom fazer uma matéria que é recebida como uma moção de solidariedade. Quando eu cheguei no pequeno e simples Centro Afro de Fernão Velho, a população das proximidades parou intrigada. Muita gente ali persegue mesmo os praticantes e por isso não entendiam o que a imprensa estava fazendo no local.

Depois de concluir a matéria, fiz questão de abraçar o babalorixá, e as pessoas que estavam com ele, na porta, diante de muitos olhares curiosos e estupefados. Desejei muita paz e coragem para viver a vida como escolheram. Eles estavam felizes e eu também.

Mas preciso confessar que aproveitei para pedir à São Jorge, ou Ogum, que o meu Corinthians arrase no jogo da Libertadores hoje à noite... não custa nada pedir ajuda ao Santo, né?!

Veja a matéria veiculada na TV Pajuçara

Comentários

  1. Oi, Lua! Muito legal a pauta inusitada sobre os ritos afro-brasileiro. Juro a você que não me lembro, no tempo que passei na TV, de ter visto algo dessa vertente da religião ser veiculado.
    Que outras boas reportagens lhe rendam o trabalho!
    Beijos!

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